sábado, 23 de fevereiro de 2008

A caixa


Na caixinha da vida
Onde se guardam as memórias
Escondem-se as derrotas,
Expõem-se as vitórias.

Na caixinha da vida
Onde o escuro ilumina o Sol
Abrem-se as portas,

Esconde-se o rancor.

Na caixinha da vida
Onde cresço e renasço
Encontro uma história,
Olho, sorrio e passo.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Coleccionador de lágrimas


Conheci, um dia, alguém que coleccionava lágrimas.
Já possuía lágrimas de arrependimento, de raiva, de tristeza, de solidão e de todas elas, nenhuma lhe bastava. Continuava, noite após noite, numa busca incessante por aquela lágrima que lhe faltava - a lágrima da felicidade e da alegria.
Noite após noite lembrava e relembrava todos os momentos em que errou, todos os momentos que desperdiçou por medo ou cobardia, e a cada um concedia uma gota salgada que juntaria cuidadosamente à sua colecção.
Um dia, num dos seus sonhos, aqueles em quem se agarrou durante anos e anos, alguém lhe sussurrou ao ouvido:
- "Minha querida, não podes viver constantemente de sonhos. Não te serve de nada coleccionares tantas lágrimas se não tiveres a certeza que consegues terminar a tua colecção com a gota mais importante de todas. Ela existe, mas tens de lutar por ela, tens de agir!
Ainda há muito mar lá fora, não são precisas essas gotas preciosas. Guarda-as só para ti e sê feliz!"
No dia seguinte, quando acordou, sentiu-se estranho. Não se recordava ao certo da totalidade do seu sonho, mas aquela voz não lhe saia da cabeça: "Sê feliz!".
"Que estupidez" - pensou. Como poderia ser feliz se ainda não tinha conseguido verter dos seus inocentes olhos aquele pingo de alegria que lhe faltava. Que pensava faltar-lhe.
Era mais fácil viver conformado àquela vida de lágrimas e tristeza, de solidão e revolta, agarrado a sonhos que não aconteciam, que não passavam apenas de leves memórias construídas em torno de algo que ficou no passado há muitos anos, quando ainda éramos crianças e pensávamos que o amor era eterno e que a vida era feita de pecinhas de lego.
Mas não é bem assim. Os sonhos não se realizam só porque queremos muito. Do céu, a única coisa que cai é chuva, neve, gelo. Nada mais.
Ou lutamos por aquilo que queremos, ou nos submetemos a viver enclausurados à nossa própria clausura, à espera que, num lindo dia, alguém nos traga a Felicidade, a Alegria, o Amor e todas aquelas coisas por que todo o ser humano luta.
Só os lutadores podem vencer. Não basta ter a coragem para agir, mas fazê-lo.
O Coleccionador de Lágrimas continua, ainda, numa busca interminável.
Ainda pensa que os sonhos são a única coisa que precisa para viver. E assim vive entre dois mundos, tentando descobrir em qual deles quer ficar, se no mundo dos sonhos, se no mundo dos lutares.
A escolha é apenas sua.
E seja qual for, um dia (porque ele existe) este Coleccionador vai perceber.
Um dia, quando finalmente perceber, este Coleccionador vai sorrir e, de mãos dadas, verterá a gota de alegria que tanto ansiou.

Um dia.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Às voltas com a vida

Volta e meia dou por mim a pensar nas voltas desta vida.
Não é da minha, que se mantém uma constante e impiedosa monotonia.
Mas com tanta volta e contra volta, não consigo perceber porque é que, volta e meia, se volta ao mesmo.
As linhas rectas podem até ser monótonas mas ao menos guiam-nos sempre naquela direcção, "sempre em frente é que é caminho!", é o que dizem. E, desde que "olhes para trás e consigas sorrir, mesmo com lágrimas nos olhos, tenhas alguém que tas limpe", então vale muito mais a pena.
Não é com pena que penso nisso. É apenas com curiosidade. Sou uma curiosa, é verdade. Gosto de saber como funciona o mundo e a mente das pessoas que nele (dizem que) habitam.
Não é tarefa fácil, acreditem! É preciso muita paciência para ver certas coisas, certas atitudes. Há quem tente inventar para ser feliz. Há quem não invente para ser infeliz. Há até quem insista em dar outra e outra volta só para poder voltar sempre àquele ponto da história.
Às vezes é quase a mesma coisa que ler um livro ao contrário. Não é de pernas para o ar, embora pudesse ser. Ao contrário mas do fim para o início.
A diferença é que, aqui, não se pode ler ainda o final da história que ainda não foi escrito. Estão em contenção de papel por causa das árvores...
Enfim.
A escrever sobre voltas e cá estou eu às voltas sobre coisas que não têm nada a ver com estas voltas que queria falar.
Com tanta volta perdi-me. Acontece...
Acabaram-se as voltas!

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Conversas de espelho

Chove lá fora.
Contudo sei que aqui é seguro.
Não vás embora.
Será que tens medo do escuro?
Não tenhas.
Olha à tua volta, não vês?
Não me importo que venhas
É a tua vez
De perderes esse medo
E veres as luzinhas.
Vou-te contar um segredo
Não são só minhas!
São tuas
São nossas.
É como se tivessemos várias Luas
Nuas
Que nos guiam e protegem.
Conheces essas ruas?
Essas que se constroem à tua passagem,
Moldam-se à tua imagem.
Têm pontes e montes,
Rios e fontes,
Têm buracos e pedras
Que chutas
Que passas
Porque aqui é sempre dia
Não precisas ter medo de cair.
Antes também fingia,
Fingia que não via, que não queria sair
Tropeçava e caia.
Hoje as Luas estão lá
E eu vejo-as
Olham por mim
E eu guardo-as.
Porque continuas aí fora se chove?
Aqui dentro é mais seguro
Precisas de chave?
Afasta-te que eu empurro!
Agora entra
Sai da chuva que te constipa
E vem cuidar-te.
Arrombei a porta para entrares
Acendi-te a luz para não teres medo
Guardei o brilho para te lembrares,
Conheces o segredo.
Que enredo. Acordei e era apenas Eu e Eu. Numa conversa amigável.